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Carta Aberta à nossa geração, às futuras gerações e a todas as vítimas do genocídio de raça

  • Foto do escritor: Sociedade Sorella
    Sociedade Sorella
  • 19 de mai. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 3 de jul. de 2022

Estamos atentos, estamos presentes, estamos juntos! #VidasPretasImportam


O mundo vem atravessando diversas contradições nos mais diversos aspectos e áreas da vida humana. Tudo pela falsa noção de superioridade, egoísmo e palidez moral que insistimos em alimentar nas nossas relações, em que “os privilégios de raças têm sua origem na abstração que os homens geralmente fazem do princípio espiritual, para considerar apenas o ser material exterior.”[1] Com isso, o cenário do nosso século é expresso por tensões sociais, injustiças e supremacia de uma raça em detrimento de outras. É por conta dessa realidade que essa escrita está sendo feita às gerações de hoje, ontem e amanhã, perante as injustificadas alianças com o extermínio em massa da população preta. Sim, todas as vidas importam, mas estamos focando nas pretas agora e todo aquele que negligencia essa importante causa também é parte do problema. Queremos aqui ressaltar este aspecto em que o Espiritismo é contundente. Diz-nos Allan Kardec (1804-1869) sobre o espiritismo:

“Não é uma seita política, como não o é religiosa. É a constatação de um fato que não pertence mais a um partido do que a eletricidade e as estradas de ferro. É, repito, uma doutrina moral, e a moral está em todas as religiões e em todos os partidos.” (KARDEC, 1861).

É, pois, uma doutrina alicerçada na moral cristã e ética que permeia todos os conhecimentos, tempos e povos. Kardec encontrou, nos princípios da Doutrina Espírita, explicações que apontam para leis sábias e supremas, razão pela qual afirmou em seu discurso em 1861, por exemplo, que:

“Possam os nossos irmãos futuros lembrar este dia memorável, em que os espíritas lioneses, dando exemplo de união e concórdia, plantaram, nestes novos ágapes, a primeira baliza da aliança que deve existir entre os espíritas de todos os países do mundo, porque o Espiritismo, restituindo ao Espírito seu verdadeiro papel na Criação, e constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, suprime naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens em consequência das vantagens corporais e mundanas sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor.” (KARDEC, 1861)

Olhando para o Brasil, nos perguntamos então como homens privilegiados pela raça branca foram capazes de dizimar povos originários indígenas deste país e escravizar africanos (udaneses, guinenos-sudaneses muçulmanos e bantus), retirados de suas terras natais? São “anomalias que chocam os homens de bom-senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje”[2] e nos fazem querer agir, no agora, sob renovada perspectiva do que é de fato viver nesta terra.

Segundo Kardec é no alargamento do “círculo da família pela pluralidade das existências (reencarnação) que o Espiritismo estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional que aquela que tem por base apenas os frágeis laços da matéria, pois esses laços são perecíveis, ao passo que os do Espírito são eternos.”[3]

Retornamos a perguntar então, como somos capazes, no hoje, de continuar esse projeto de extermínio mais elaborado psicologicamente, fisicamente e socialmente desses povos, atualmente reconhecidos como favelados, pretos, pobres e etc? O racismo, infelizmente, faz parte da estrutura da nossa sociedade desde sua formação, e por isso é comum que ele atravesse nossa visão também religiosa. Por que, hein? Por que será que insistimos em nos tratar pelas aparentes diferenças físicas e culturais quando temos muito mais semelhanças? Porque silenciamos quando diante de tantas opressões que são noticiadas em nossas televisões? Kardec nos dá um caminho de reflexão e autocrítica:

“895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição? O interesse pessoal. Frequentemente, as qualidades morais são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. (KARDEC, 1857)

O interesse pessoal, amigas e amigos – é ele que nos faz tapar os olhos e ouvidos e mergulhar fundo numa ilusão como a da aparente distinção de cor de pele, status social e capacidade intelectual. Foi sempre por um grande interesse econômico ou político que certas classes ou etnias colocaram suas vontades acima das dos outros, tentando justificar o injustificável, como a escravidão.

E pensando sobre a reencarnação, esse ir e vir das existências, assumimos diversos papeis na sociedade que tem sua importância no aprendizado do Espírito, sejam eles: preto, branco, índio, mulher, homem, homossexual, não-binário, criança, idoso, rico, pobre, classe média, artista, espírita, judeu, candomblecista, umbandista, católico, muçulmano, enfim todos esses papeis nos permitem desenvolver nossas potências, compreender como a empatia se dá, qual o nosso dever diante das desigualdades, mas claro, sem estabelecer uma justificativa para a permanência dela. Pois há uma grande diferença entre desigualdade das aptidões e a desigualdade oriunda do egoísmo. Uma é natural, pois se o ser possui inteligência e livre-arbítrio, se desenvolve autonomamente. Já a outra, por ser fruto da sede de poder e subjugação dos outros seres, não está de acordo com a Lei de Justiça Amor e Caridade, aquela que devemos pautar nossas escolhas. Ela, por sua vez, mata, faz com que nossas crianças pretas não tenham uma infância de verdade, que pessoas odeiem seu corpo, tom de pele e feições, nos distancia, crias castas, apatia e etc.

“Uma vez bem compreendidos, tais laços influirão, pela força das coisas, nas relações sociais, e mais tarde na legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade. Mas isto é a obra do tempo. Deixemos a Deus o cuidado de fazer que cada coisa venha a seu tempo.” (KARDEC, 1861)

E é chegado o tempo de revermos e praticarmos com mais certeza tudo o que aprendemos com essa Doutrina luz, que nos convoca o tempo inteiro a colocar a candeia acima do alqueire, ou seja, retirar o véu das incertezas, iluminar mais para que possamos enxergar as verdades universais da ética entre os povos e mundos. Amor e caridade para com todos, diz o Espiritismo; Amarás a teu próximo como a ti mesmo, diz o Cristo. Não são sinônimos?

“Ah! É que nele há tantas consolações a dar, tanta coragem moral a recompor, tantas lágrimas a enxugar, tanta resignação a inspirar, que nesses meios foi acolhido como uma âncora de salvação, como uma égide contra as tentações da necessidade. Por toda parte onde o vi penetrar na morada do trabalho, o vi produzir seus efeitos moralizadores. Alegrai-vos, pois, operários lioneses que me ouvis, por terdes noutras cidades, como Sens, Lille, Bordeaux, irmãos espíritas que como vós abjuraram as culposas esperanças na desordem e os criminosos desejos de vingança.” (KARDEC, 1861)

Por fim, esta carta é um apelo a todos os corações que a lerem e uma reflexão muito oportuna de uma doce e forte canção religiosa americana, bandeira dos direitos civis negros, a respeito deste nosso movimento de iluminarmos o mundo através de ações. É o refletir para além do que vemos, e nos convida a nos posicionarmos contra qualquer injustiça social, bem como a Doutrina Espírita também o faz, assim como o genocídio da população preta e indígena que vemos hoje morrer por causa da posse do outro, terras e poder ou, forma diferente do pensar. Para nossa geração, às futuras gerações e a todas as vítimas do genocídio de raça, diz-nos a letra:

“Agora alguns dizem que você tem que correr e se esconder. Mas dizem que não há lugar para se esconder. E alguns dizem que os outros permitem decidir, mas nós dizemos que o povo decida. Alguns dizem que o tempo não está certo, mas dizemos que o tempo é certo. Se há um canto escuro em nossa terra, você tem que deixar a sua pequena luz brilhar. Esta minha pequena luz, eu vou deixá-la brilhar. Esta minha pequena luz, eu vou deixá-la brilhar.” (Harry Dixon, 1920)[4]

Se informe, busque,pesquise, pergunte e deixe a sua luz também brilhar, independente de qual papel você desempenha na sociedade, deixe sua luz brilhar! Sim, todas as vidas importam, mas estamos focando nas pretas agora, deixe sua luz brilhar!


A Sociedade Espírita Sorella

Referências bibliográficas:

KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1861. Texto Discurso do Sr. Allan Kardec de Outubro de 1861.Editora FEB.

KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1867. Texto Emancipação das Mulheres nos Estados Unidos de Junho de 1867.Editora FEB.

KARDEC, Allan. Livro dos Espíritos. 1857. Editora CELD

NACKED, Rafaela Capelossa. Identidades negras em diáspora: Memória e historicismo através das músicas dos anos 1960-1970. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


[1] Revista Espírita de Junho de 1867. [2] Revista Espírita de Outubro de 1861. [3] Revista Espírita de Outubro de 1861. [4] Nas lutas contra a segregação nos Estados Unidos (década de 60), a igreja negra protestante teve um papel importante. As lutas por Direitos Civis marcaram a retomada e a reinterpretação de spirituals e músicas gospel tradicionais como a música “This little light of mine”. A luz espiritual a qual ela se refere (Esta minha pequena luz, eu vou deixá-la brilhar. Esta minha pequena luz, eu vou deixá-la brilhar ), transformou-se na luz do orgulho preto, na luz que ilumina os caminhos dos militantes pretos na busca a igualdade.

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